Por ti desci do Céu à Terra...

dezembro 23, 2017

...e abri para ti uma fonte de misericórdia."
(Diário de Santa Faustina, 1485)

Jesus, em um diálogo narrado por Santa Faustina em seu Diário, desvela um pouco da sua insondável misericórdia, permitindo-a (e também a nós) perceber que cada mistério de sua vida é, em si, uma expressão desse atributo divino. Santa Faustina propõe uma objeção da "alma pecadora", aflita por seus inúmeros pecados, e receosa de que Deus não a poderia, por isso, perdoá-la:

"Senhor, não sei se me perdoareis tão grande quantidade de pecados; 
a minha miséria enche-me de temor." (D 1485)

Cristo dita à santa o que responderia a essa alma:

"A minha misericórdia é maior que as tuas misérias e as do mundo inteiro. Quem pode medir a extensão da Minha bondade? Por ti desci do céu à terra, por ti permiti que Me pregassem na Cruz, por ti permiti que fosse aberto pela lança o Meu Sacratíssimo Coração e, assim, abri para ti uma fonte de misericórdia." (D 1485)

Desejamos olhar, por este aspecto, o mistério do Natal. Podemos fazê-lo com a ajuda da arte sacra. A imagem abaixo, foi concebida segundo a inspiração vinda da leitura e meditação deste parágrafo do Diário, para esta finalidade.



Ao centro da imagem temos a Sagrada Família.

O Menino Jesus, com seus braços abertos, atrai a si todas as coisas (cf. Jo 12, 32). Sugere, também, a sua futura crucifixão, momento no qual, obediente à vontade do Pai, estenderia os braços a fim de vencer a morte e manifestar a ressurreição (cf. Oração Eucarística II). Seu coração exposto, aberto, desproporcionalmente grande, comunica o amor misericordioso que não conhece limites, e está pronto a acolher a todos os homens.

A Virgem Maria, que porta o Menino, não o retem para si, preso ao colo, mas se apressa em oferecer a nós o fruto bendito de seu ventre (cf. Lc 1, 42). Em sua veste há três estrelas, simbolizando, conforme antiga tradição iconográfica, sua santificação como obra da Santíssima Trindade, e sua virgindade perpétua: antes, durante e depois do parto. Uma virgem-mãe é o sinal do Messias prometido (cf. Is 7, 14). Maria está sentada, mas não se vê o assento. É ela, na verdade, o assento, o trono para o Menino Deus. Ela é, portanto, a Sede da Sabedoria, como rezamos na Ladainha Lauretana.

São José, em pé, atrás da Virgem e do Filho, segura o cajado e está em posição de prontidão e alerta, por ser o protetor, o defensor terreno da esposa e da criança. De fato, logo haveria de levá-los às pressas ao Egito, a fim de salvar o bebê (cf. Mt 2, 13). Homem justo (cf. Mt 1, 19), José foi escolhido por Deus para ser pai de Jesus, concedendo-lhe, também ele, como Maria, a descendência de Davi (cf. Mt 1, 16), cumprindo as profecias de Isaías a respeito da linhagem do Messias. José, aceitando sua missão, diz com a própria vida: Jesus Cristo é Senhor (cf. Fl 2, 11). Simbolizando José, aqui, a "casa" de Davi, não há necessidade de outro teto sobre Maria e o Menino Jesus.

No campo ao lado de Jesus, predominam as cores azul e verde. Simbolizam a realidade celeste e a ação de Deus no mundo. 

As doze estrelas remetem às doze tribos de Jacó e aos doze Apóstolos do Senhor, figuras da Antiga e da Nova Aliança, do Povo de Israel e da Igreja, Novo Povo de Deus. O amor de Deus não conhece tempos, não quebra suas promessas, e gosta de atuar por meio dos homens, ainda que imperfeitos.

A cidade alude a Belém, na qual não havia lugar nas hospedarias para nascer Jesus (cf. Lc 2, 7). Mas é também símbolo de toda a humanidade, que hora põe e hora tira Deus de seu meio. Jesus vem para os seus, mas os seus não o recebem (cf. Jo 1, 11).

O boi e o jumento eram, no princípio da iconografia cristã, os principais personagens a aparecerem no presépio, além do Menino Jesus. Inspirados na profecia de Isaías "O boi conhece o seu amo, e o asno, a manjedoura do seu dono" (Is 1, 3), os Padres da Igreja entenderam o boi como o símbolo do povo de Israel, que levou o jugo da Lei, e o burro, animal de carga, como os gentios (pagãos), que carregavam os pecados da idolatria¹. Aplicadas ao evento do nascimento milagroso em Belém, essas figuras comunicam a formação da Igreja, Corpo de Cristo, a partir destes mesmos povos: circuncisos e incircuncisos, judeus e pagãos convertidos a Jesus, o Messias. A salvação que o "Deus Conosco" (cf. Mt 1, 23 e Is 7, 14) traz é para todos os que, livremente, o reconhecerem como Salvador e aderirem a Ele.

No campo ao lado de São José predomina a cor alaranjada, uma cor terrosa, fazendo memória da nossa humanidade, nascida do pó, e que ao pó há de retornar (cf. Gn 3, 19). A natureza divina de Cristo é invocada pelos símbolos do Pai e do Espírito, e de Maria, tocada pelo raio da luz de Deus, posta entre os campos azul e alaranjado, entre divindade e humanidade, pois foi coberta pela sombra do Altíssimo (cf. Lc 1, 35), e concebida imaculada em vista dos méritos de Cristo². São José, posto no campo da humanidade, ainda que não tenha participado em sua concepção, lhe confere o nome, o lar, o alimento... sustenta o Menino Deus feito homem. Há também uma seção azul e verde, prolongamento do campo do lado oposto, reforçando a ideia da intervenção, do toque de Deus na humanidade.

Acima do Menino Jesus, há uma mão direita em gesto de indicação, entrega, envio. É a "destra do Senhor", da qual vem a libertação para os amigos de Deus: "Para que vossos amigos fiquem livres, ajudai-nos com vossa destra, ouvi-nos" (Sl 59, 7). É um símbolo de Deus Pai, que manifestou sua misericórdia enviando seu Filho, para que o mundo creia nEle (cf. Jo 6, 29). Está envolta em um resplendor, e dela emana uma luz amarela, que remete ao dourado. Na iconografia, a cor do céu não é o azul, mas o dourado, pois se trata de uma representação espiritual, e não física. O céu é, então, a glória de Deus. Estes raios de luz que descem do Pai indicam a comunhão e ação da Santíssima Trindade, sobretudo a mensagem de que Cristo é o Enviado do Pai, revelado como tal pelo Espírito Santo, que desce sobre Jesus no seu batismo, em forma de pomba (cf. Mc 1, 9-10). Ao fundo há a cor verde, a lembrar a humanidade que esperou longamente a vinda do Salvador, mas testemunhou a ação de Deus em sua história a todo momento. Deus não nos deixa sós.

Circundando a auréola do Menino Jesus, há também um resplendor que atesta o que Cristo disse: "...enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo" (cf. Jo 9, 5); e ainda: "Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida" (Jo 8, 12).

Jesus está sentado sobre os joelhos de Maria, mas, junto a eles, sutilmente se desenha um altar. Jesus é, então, apresentado aqui como sacerdote, altar e vítima (cf. Prefácio da Páscoa, V). O altar, numa Igreja Católica, carrega em si o sentido do próprio Cristo. Segundo São Cirilo de Alexandria (final do séc. IV e início do séc. V), "o altar é Cristo", e nisso entrevemos que a missa não é um faz-de-conta, uma mera recordação. No altar se atualiza aquele único sacrifício que há no Novo Testamento - o de Cristo (cf. Catecismo da Igreja Católica, §1566 e 1367). Também em muitas representações primitivas do presépio, a manjedoura tem a forma de um altar, estabelecendo a ligação entre o mistério da encarnação e o mistério da paixão de Cristo: a Obra da Redenção é toda a vida de Cristo. Suas vestes sugerem uma estola, indicando seu sacerdócio; os braços abertos de Jesus e o altar em que está posto reforçam a imagem da cruz, altar e trono de Cristo, como observamos na liturgia da Solenidade de Cristo Rei, especialmente no Ano Litúrgico C (cf. Lc 23, 35-43 e Colossenses 1, 12-20).

Vida de Cristo não apenas terrena, mas mística, porque Ele continua vivo também em sua Igreja, seu corpo (cf. Ef 1, 22-23), do qual é símbolo o cálice, que recebe o sangue e a água jorrados do Coração de Cristo (cf. Jo 19, 34). São os sacramentos (em especial a eucaristia, O Sacramento por excelência³), pelos quais a Igreja dispensa os tesouros da graça de Cristo às almas, simbolizadas aqui pelo globo terrestre aos pés de Cristo, abaixo do cálice. A humanidade, sedenta da misericórdia de Deus, necessita de grande confiança para obtê-la, como Jesus inúmeras vezes alertou a Santa Faustina. Por isso, o cálice, em última análise, corresponde também à imagem do vaso da confiança, com o qual se haure a misericórdia de Deus. Quanto maior a confiança (o vaso), mais misericórdia se conseguirá.


"Vem haurir graças dessa fonte com o vaso da confiança. Nunca rejeito um coração humilhado. A tua miséria ficou submersa no abismo da Minha misericórdia. Por que terias que travar comigo [uma disputa] sobre a tua miséria? Dá-Me antes o prazer de Me entregares todas as tuas penúrias e toda a miséria, e Eu te cumularei com tesouros de graças." (D 1485)*

Jesus Cristo, sendo Deus, se fez homem. Veio a nós como uma pequena e frágil criança, para que não temêssemos nos aproximar dEle, em vista de nossos pecados. Uma falsa humildade, suscitada em nós astutamente pelo Inimigo de Deus, nos faria desperdiçar a graça e a misericórdia do Altíssimo. Por essa razão é que Deus insiste em dizer a Santa Faustina - e, por ela, à humanidade - que não nos fixemos em nossa miséria, mas que a entreguemos a Ele e nEle confiemos. A verdadeira confiança e o real abandono andam lado a lado com o arrependimento e a conversão. Crer na Misericórdia não é um passe livre para o pecado. Pelo contrário, nos compromete com a mudança de vida, e é para ela um combustível, porque, com santo temor e filial confiança, só desejaremos agradar a Deus. Façamos esta experiência a partir deste Natal! Cristo afirma: "Por ti desci do Céu à Terra". Eis o Amor e a Misericórdia de Deus!

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¹ PASTRO, Claudio. A arte no cristianismo: fundamentos, linguagem, espaço. São Paulo: Paulus, 2010. p. 245.
² Declaração dogmática da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria. Bula "Ineffabilis Deus". Beato Pio IX. 8 de Dezembro de 1854.
³ Catecismo da Igreja Católica, §1211.
*Trechos do Diário de Santa Faustina retirados de:
FAUSTINA, Santa. Diário: A Misericórdia Divina na minha alma. 41ª edição. Curitiba: Editora Apostolado da Divina Misericórdia. 2016.

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